Filomena Cabeça: “Um projecto com determinação e garra, baseado na inovação”
Publicado: sexta-feira, 18 de Maio de 2007 - 00:53
No último dia para apresentação de candidaturas ao cargo de Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, falámos com a Dr.ª Maria Filomena Leal Cabeça, a primeira candidata assumida, que se compromete a defender “a proximidade, a confiança, a qualidade e o papel insubstituível do farmacêutico”.
Numa curta apresentação, a Dr.ª Maria Filomena Leal Cabeça, 49 anos, licenciada em 1981 pela faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, membro da actual Direcção Nacional da Ordem, onde desempenha funções há 12 anos, responsável pela Farmácia do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, mostra-se uma pessoa entusiasmada, lutadora, carismática e com bastante sentido de humor.
Que características devem caracterizar o bastonário da OF? E quais são os seus principais objectivos?
Na minha candidatura à representação dos farmacêuticos julgo reunir algumas das características que a OF necessita. Desde logo um percurso profissional envolvido e empenhado com os problemas do dia-a-dia da intervenção farmacêutica. Por outro lado com um forte conhecimento dos principais temas e desafios que se colocam à profissão. Para tal, conto ainda com uma equipa extremamente qualificada e com a competência exigível para representar os farmacêuticos portugueses. Por último, um projecto com determinação e garra, baseado na inovação e na procura de soluções concretas para a nossa profissão.
O actual bastonário, tem sido alvo frequente de críticas e acusações. Necessitamos de alguém que tenha o respeito dos farmacêuticos e dos outros profissionais. No seu entender, a que se devem estas críticas?
A crítica, quando fundamentada, é um precioso instrumento para quem tem de assumir a representação de outros. Em relação à intervenção da OF tenho registado muitas críticas e poucas soluções. É fácil produzir discursos responsabilizadores quando estamos sentados num sofá a assistir… Os últimos tempos têm sido momentos de muita tensão para toda a profissão e a OF tem demonstrado grande capacidade de resiliência perante um cenário adverso e de contestação às mais valias da intervenção farmacêutica. Contudo, a intervenção séria e fundamentada da OF já recolhe hoje uma maior visibilidade e compreensão. Apesar das dificuldades, a OF é tida como uma entidade credível e com propostas válidas para o sistema de saúde, sendo interlocutor auscultado pelos diversos decisores políticos.
Os momentos difíceis exigem-nos maior ponderação e a manutenção da “cabeça fria” em relação a uma reacção mais intempestiva, de ruptura imediata e de fechar a porta a uma tentativa de diálogo construtiva e com propostas. Se a OF tivesse optado por esse caminho… que resultados tínhamos alcançado? Haveria um liberalização do sector sem ponderações e prejudicando aqueles que mais queremos defender: os doentes!
Contudo, e nas funções de Bastonário, cada pessoa tem de ser fiel à sua forma de estar e às convicções que defende e, como tal, é natural que existam alterações de estilo e de forma de intervenção.
Como vê a redefinição do actual modelo da farmácia comunitária e qual o papel da ordem na regulamentação do novo modelo?
Até este momento, estamos apenas perante a tensão de alterações pontuais e cuja moldura final ainda não é conhecida. Contudo, a OF tem já identificadas as necessidades emergentes da redefinição da farmácia comunitária. Há traços fundamentais pelos quais a OF não deixará de pugnar: a proximidade, a confiança, a qualidade e o papel insubstituível do farmacêutico. A proposta de nova legislação sobre o exercício farmacêutico é um exemplo da intervenção da OF que traduz a garantia destes princípios para a população. A proposta apresentada revê coerentemente e interliga todos os farmacêuticos no sector do medicamento - comunitários, hospitalares, de indústria, da distribuição e de assuntos regulamentares – atribuindo-lhes responsabilidades e deveres claros norteados pelo interesse público. Com a concretização de alterações substanciais, como o caso da propriedade, exige-se à OF um papel mais diferenciado que salvaguarde uma intervenção farmacêutica à prova dos interesses mercantilistas de novos agentes no sector. A promoção da qualificação contínua dos farmacêuticos e a valorização da sua diferenciação técnico-científica são objectivos que encerram cada vez maiores desafios e para os quais temos de dar respostas.
O ensino das Ciências Farmacêuticas não tem acompanhado a rápida evolução da profissão. A maioria dos cursos não contempla formação específica para áreas tão essenciais, como a genética, a gestão ou a economia da saúde. Verifica-se também uma falta de interligação entre o ensino e a prática profissional, com estágios tardios e limitados. Considera importante uma reavaliação dos planos curriculares?
O ensino farmacêutico tem, no nosso país, dado passos positivos em relação aos desafios que a ciência e a profissão lhe colocam. A própria OF tem estimulado esta resposta e alcançou um diálogo aberto e frontal nos processos de acreditação de licenciaturas. Contudo, a rápida evolução das necessidades da sociedade tem colocado novos desafios à profissão e existe uma necessidade de promover um alinhamento estreito entre a academia e a profissão nas respostas necessárias. A OF tem responsabilidades nesta matéria e continuará a identificar os pontos críticos na profissão, procurando envolver a nossa vasta comunidade científica nas soluções. Ao nível pré e pós-graduado existem inúmeras convergências e necessidades que devem unir a profissão e o ensino, e, para as quais é necessário dedicar especial atenção. A profissão farmacêutica baseia-se no conhecimento e, como tal, tem de estar preparada para dar respostas consistentes com a evolução da evidência científica e da própria sociedade.
Por exemplo, a OF tem actualmente nomeadas as Comissões Instaladoras das especializações em Genética Humana e de Farmacoterapia como resposta activa às necessidades de maior diferenciação dos farmacêuticos em áreas-chave da sua actividade.
Têm sido levantadas algumas críticas quanto à forma como são avaliadas e creditadas as acções de formação, obrigatórias para a renovação da carteira profissional. Não lhe parece que este processo deveria ser mais objectivo e transparente?
Aceito e compreendo as críticas resultantes de um processo inovador e ambicioso como a revalidação da carteira profissional. De facto, todo este processo é uma inovação da profissão farmacêutica e, como tal, está sujeito à necessidade de acompanhamento e da capacidade de correcção das dificuldades. Existem actualmente factores críticos neste processo que, quanto a mim, são: acessibilidade (económica e geográfica); comunicação; fluidez de procedimentos e avaliação.
É um facto que existem colegas que reportam dificuldades de participação (sendo urgente rotinar os Cadernos de Formação e actividades à distância) e de situações pessoais limitativas (de saúde, entre outras). Aliás, com a implementação de uma iniciativa desta dimensão estranharia se não existissem dificuldades ou reclamações... seriam sintomas da sua inocuidade, desinteresse ou falta de credibilidade.
Contudo, o cerne desta iniciativa é adequado e os objectivos a alcançar ainda mais pertinentes no quadro das alterações em curso, sendo naturalmente um compromisso que assumo a capacidade de ajustamentos progressivos em função das necessidades da profissão. Aliás, um retrocesso nesta matéria seria algo de profundamente negativo para a credibilidade da profissão e, ainda pior, um desrespeito pelos milhares de farmacêuticos que assumiram esta responsabilidade.
A Farmácia do futuro inevitavelmente venderá mais serviços que produtos. A qualidade dos serviços determinará o sucesso comercial da farmácia, pois em relação aos produtos as diferenças são praticamente nulas. Deverá a farmácia comunitária portuguesa evoluir para uma situação de pagamento por acto farmacêutico?
Já nos dias de hoje o farmacêutico é um prestador de serviços de saúde e não apenas no âmbito da farmácia comunitária. Há espaço para que consideremos essa evolução e percorramos um caminho idêntico em experimentação noutros países. Contudo, dado o avolumado conjunto de alterações em curso neste sector, não será uma solução imediata, tanto mais que a remuneração por acto deve encerrar uma valorização do conteúdo profissional e não render-se a uma aritmética contabilística ou promotora da degradação da qualidade de atendimento e aconselhamento prestados pelos farmacêuticos.
Manifestou numa entrevista recente que pretende "fazer parte da solução dos problemas de saúde e adoptar posições sustentadas". Nesta perspectiva, qual a autonomia que a OF deve guardar em relação à ANF?
Existe sempre recorrente confusão entre a OF e a ANF. A sociedade portuguesa tem de perceber definitivamente que uma e outra têm papéis e funções bem distintas e que representam entidades diferentes. Como representação formal de toda a profissão, a OF assume responsabilidades próprias e tem funções definidas pelo Parlamento Português. Deste modo, e tal como em relação a todas as representações dos farmacêuticos, a OF manterá saudáveis relações institucionais e procurará alcançar consensos positivos para o sistema de saúde e, em particular, para a intervenção farmacêutica. Os doentes são a razão de ser da profissão farmacêutica e todos os que pretendam valorizar a intervenção farmacêutica em prol destes contarão com a OF como aliada. Se convergirmos tanto melhor, senão saberemos enfrentar as divergências e dificuldades.
No Hospital, o farmacêutico está claramente a perder terreno para outros profissionais, sem se notar grande preocupação por parte dos responsáveis. Que apostas deverão ser feitas para aumentar a importância e a participação dos farmacêuticos nos nossos Hospitais?
A OF tem, incessantemente, colocado a tónica na necessidade de implementar objectivamente as Resoluções do Conselho de Ministros sobre a farmácia hospitalar. Sobre esta matéria existem já demasiados diagnósticos, sendo necessário pôr em prática as soluções já alcançadas em termos de meios e recursos para rentabilizar a perícia técnico-científica do farmacêutico no hospital. A gestão do medicamento hospitalar só agora começa a surgir como prioridade no âmbito da gestão hospitalar e são os farmacêuticos que mais têm contribuído para um compromisso de equilíbrio entre encargos e resultados. A racionalidade e a segurança das intervenções hospitalares dependem da eficaz intervenção do farmacêutico e, deste modo, é fundamental o correcto enquadramento da sua actividade. A Carreira Farmacêutica, envolvendo também os colegas das Análises Clínicas e da Genética Humana, é um passo estruturante através do qual se podem atribuir responsabilidades e qualificações aos farmacêuticos com um impacto positivo nos cuidados de saúde. A expectativa em relação à evolução da carreira (já acordada com o Ministério da Saúde em 2005) em paralelo com alterações facilitadoras do acesso por jovens farmacêuticos são matérias relevantes a prosseguir em conjunto com o Ministério da Saúde.
A intervenção de farmacêuticos em análises tem também desafios. O Sector de Análises Clínicas tem apresentado fenómenos de concentração económica. Quais as propostas para este sector?
A intervenção farmacêutica em análises clínicas precisa de uma nova visibilidade e dinâmica na nossa sociedade. De facto, poucos cidadãos sabem que são farmacêuticos especialistas os responsáveis pela grande maioria das análises clínicas no nosso país e são também parte significativa nos respectivos serviços hospitalares. Há, também neste sector, ameaças de verticalização económica e de afectação da autonomia técnico-científica dos farmacêuticos. Sobres estas matérias é necessário questionar a tutela em relação à inspecção e licenciamento de unidades e de fomentar uma racionalização deste sector. A manutenção do princípio da convenção e a revisão das nomenclaturas e tabelas de exames são também matérias para as quais a OF deve dar o seu contributo. Assegurar que o farmacêutico analista desenvolve a sua actividade em proximidade e confiança com os doentes são metas para as quais novas estratégia e iniciativas se devem desenhar.
De uma forma geral importa também promover uma reflexão aprofundada no enquadramento da diferenciação farmacêutica nas áreas analíticas, através do repensar de propostas que envolvam positivamente o seu exercício farmacêutico, por exemplo, através de proposta de exercício farmacêutico neste sector que individualize o papel do farmacêutico em análises clínicas, genéticas, hidrológicas, toxicológicas e bromatológicas. É esta resposta integrada de funções e responsabilidades na sociedade que temos de dar provas e visibilidade.
Para além da liberalização da propriedade das farmácias, o Governo pondera também a legalização da venda de medicamentos pela Internet. Se tal vier a acontecer, qual deverá ser a posição da Ordem?
A OF manterá, como sempre, a exigência de segurança para os doentes e a necessidade de acompanhamento através de farmacêutico. Em relação ao recurso a novas ferramentas de comunicação para facilitar o acesso a medicamentos, é necessário garantir que tal não signifique legalizar a marginalidade actual em que é possível comprar (o termo é mesmo comprar pois não há mais nenhuma garantia) medicamentos sem nenhum tipo de informação ou segurança. Não é por acaso que a Internet é uma das principais fontes de medicamentos contrafeitos e que mais riscos de saúde apresentam para a população. Nestes moldes caóticos, qualquer bom senso ditará a oposição a esta medida. Se o modelo regulamentar contribuir para a utilização da Internet como ferramenta complementar à relação de confiança e proximidade doente-farmacêutico poderá ser uma mais-valia para doentes e profissionais.
Há quem considere que o cargo de Bastonário devia ser remunerado. Seria simultaneamente uma forma de independência e de evitar amadorismo. Além disso, a um bastonário bem pago também se poderia exigir muito mais. Que opinião tem sobre esta questão?
A intervenção ao nível da OF é, essencialmente, de cariz voluntário e associativo. Deste modo, e até pela determinação estatutária, é incompatível remunerar as funções eleitas, o que me parece bem. Contudo, podem existir constrangimento em relação às condições de exercício da função e, a exigência e necessidade de disponibilidade podem afectar o desempenho profissional de quem assume estas funções. Não considerando a hipótese de remuneração directa, podem coexistir “ajudas de custo” que viabilizem a participação efectiva de mais colegas, limitando-se deste modo o constrangimento económico à sua participação. De uma forma global não considero esta matéria uma prioridade no contexto dos actuais desafios que a profissão enfrenta e, como tal, deve ser analisada pelos órgãos próprios da OF. De forma mais vincada, necessitamos de manter e apostar na profissionalização efectiva e empenhada dos colaboradores que constituem o quadro da OF e esta será uma preocupação permanente de quem tem de assegurar uma adequada gestão da instituição e de dotá-la de condições para melhor responder às necessidades.
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3 comentários:
boa sorte!
Como membro do Nucleo Duro de Farmácia, gostaria que a Dra. Filomena comentasse os seguintes pontos:
1. Modelo funcional da farmácia comunitária: mudança da centralidade do paradigma: do produto para o serviço;
2. Investimento estratégico do modelo de exercício profissional na prestação de serviços centralizados nas necessidades dos doentes;
3. Re-definição das especialidades profissionais e necessidade da emergência da farmacoterapia enquanto área de especialização;
4. Aproximação às faculdades e necessidade de ensino clínico em pré-graduação;
5. Estatuto remuneratório do farmacêutico comunitário;
6. Re-engenharia das bases técnico-científicas da consolidação profissional: da genómica ao "health services research, outcomes research and health economics";
7. Modelo e objectivos de formação contínua para efeitos de renovação da carteira profissional;
8. Auto-regulação profissional;
9. Política de relações inter-instituições farmacêuticas;
10. A farmácia nas políticas de saúde.
Se quiserem podem-me responder para nunomachado2001@yahoo.com
Caro NM:
Várias dessas questões serão respondidas nos próximos dias, à medida que o programa da candidatura for sendo divulgado.
No entanto, prometo que nenhum ponto será esquecido no debate blogosférico que pretendemos fazer durante as próximas semanas.
Como Farmacêutico, gostaria que me respondesse a questões mais directas.
1. Defende o actual modelo de 4000 habitantes por farmacia? (quando por ex em espanha essa capitaçao e de 2000 hab por farmacia)
2. Qual vai ser a posição da OF sobre a Abertura de Novas Farmacias e os criterios de selecçao dos candidatos?
3. Acha que a população portuguesa e os doentes ERAM PREJUDICADOS com a LIVRE ABERTURA DE FARMACIAS?
4. Concorda em Fazer um inquerito interno aos Farmacêuticos e questionar aquilo que interessa mesmo para a nossa profissão:
- Saber se os farmaceuticos sao a favor ou contra a livre abertura de farmacias
- saber se os farmaceuticos concordam com a capitação de 4000 hab por farmacia.
- Saber se os farmaceuticos estao contentes com a actual carreira em f. de oficina de apenas 4 categorias.
- Saber a posicao dos farmaceuticos sobre os precos das formacoes dadas pela OF para a revalidacao da carteira profissional.
Eu acho que chegou a altura de falar no que interessa mesmo aos farmaceuticos e deixarmo-nos de rodeios que não levam a lado nenhum.
cumprimentos
Telmo Santos socio P-3236
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