sábado, 16 de junho de 2007

Em contra-ciclo

Provavelmente o melhor texto publicado neste blogue:

Esta campanha para a eleição na Ordem dos Farmacêuticos evidenciou o que há muito temia: um grupo societário de mal consigo próprio sem perceber porquê.
Determinadíssimo e muito forte na defesa daquilo que a sociedade tem sistematicamente vindo a rejeitar - grupos que se pretendem impor à custa de valores que a sociedade já não percebe nem assume como seus -, mas muito frágil na captação de reconhecimentos exteriores que alavaquem a sua projecção sócio-política: procurar encher o tanque pelo ralo do escoamento constituiu um traço comum a muitas mensagens "oficiais" de campanha, e a muitos comentários "bloguísticos".

Pena que assim seja !

O mais pequeno esgar de proposta intelectualmente mais elaborada ou foi alvo de plágio, ou foi alvo de desdém.

Exigia-se a qualquer candidato que não fizesse apelo a sentimentos primários nem a ressentimentos indesejáveis. Infelizmente a campanha de Irene Silveira em nada ultrapassou esta pobre parametrização. Penso que não o fez por mal, mas simplesmente porque agiu tal como é.

O roubo de ideias foi aqui, mais de que um plágio, uma demonstração de incontida vaidade. Um outro eixo determinante de uma candidatura que deveria incomodar as meninges funcionantes.

Mas a cosmética eleitoral não disfarça o misticismo integralista que subjaz a um pretenso discurso de mudança. Assim foi também em 28 de Maio de 1926.

E é precisamente aí que residem os maiores riscos: o fenómeno da refracção na política.

A 1ª República finou-se porque apostou na defesa das colónias. Daí a participação na 1ª Grande Guerra que lhe foi política, económica e financeiramente fatal.

A 2ª República caiu porque insistiu na defesa das colónias. Daí a Guerra colonial que lhe foi politicamente fatal.

Quem tinha razão ? Eram os Homens do 28 de Maio progressistas ? Eram os pais da 1ª República conservadores ?

A motivações aparentemente iguais nem sempre correspondem causas semelhantes.

O fenómeno Irene Silveira nada tem a ver com outras eleições em que dois candidatos se defrontaram. O fenómeno Irene Silveira é um sinal da uma crise mais profunda: o da existência de uma corrente de pensamento e de opinião em contra-ciclo com a história.

Mas não foi Portugal sempre assim ?

Ordem para Intervir

3 comentários:

praialusitana disse...

No dia em que Joe Berardo, o homem que colecciona arte ao kilo, se propõe comprar o Benfica acho que é altura de dizer alguma coisa sobre as Eleições para BOF.

Os problemas da classe farmacêutica, que nestes períodos eleitorais surgem de uma forma mais vincada, são transversais a toda a sociedade portuguesa. Particularmente quando o ambiente externo é hostil há naturalmente uma tendência para a unidade e a defesa do colectivo. No entanto por vezes as divisões são tão profundas ou os interesses instalados são de tal ordem que ultrapassam essa tendência natural. Cada eleição reveste-se de um ambiente muito particular e nem sempre é linear quer o comportamento das listas quer o dos eleitores. Ambas as listas têm apresentado argumentos, mais ou menos válidos, e até mesmo algumas propostas, mais ou menos interessantes e mais ou menos originais...

A lista da Prof. Irene Silveira é isso mesmo, a lista da Prof. Irene, “one woman show”, uma candidatura unipessoal com mais algumas caras com diferentes percursos e motivações muito dispares para ali estarem. As ideias não abundam, pelo menos na cúpula, e a desorganização é grande…

A outra lista já existia antes de ter sido encabeçada pela Dra. Filomena, por isso quando muito poderemos falar da lista do Dr. Aranda sem o Dr. Aranda... mas com a Dra Aranda... A classe não chegou a perceber muito bem a escolha de uma figura secundária para dar a cara por este projecto. Nem sequer a razão de tantas recusas ou falta de condições para o avanço de outras personalidades. Ou mesmo de convites e desconvites…

- Motivações -
A Prof. Irene sempre gostou da ideia de ser bastonária. Tem algum tipo de atracção por cargos pomposos e cerimoniais solenes. Pretende acrescentar à sua borla e capelo o colar de bastonária. É indiscutivelmente vaidosa, mas no mundo actual isso nem é dos piores pecados. No entanto tem uma grande determinação e capacidade de trabalho, apesar de não saber bem qual o melhor caminho. Se lhe arranjassem um colar e o cargo de bastonária honoris causa para acrescentar ao CV e aos cartões de visita seguramente já nem se candidatava.

A Dr. Filomena foi indubitavelmente a enésima escolha, o que não quer dizer que seja uma má escolha, mas isso vai-lhe trazer problemas no futuro. Encabeça uma lista cheia de elementos mais fortes do que ela própria e serve de testa de ferro da continuidade. Dificilmente terá forças para fazer vingar os seus pontos de vista próprios, se convencer alguém que tem os seus próprios pontos de vista… e se os tiver verdadeiramente…

- Antecedentes -
A Prof. Irene sempre pretendeu ser bastonária, chegou a planear essa candidatura contra o Dr. Aranda, e teria sido interessante se o tivesse conseguido nessa época, haveriam de pensar que o Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos tinha que ter sempre o apelido Silveira... No entanto o Dr. Aranda, que sabe viver melhor do que ninguém, conseguiu evitar problemas desnecessários e entregou-lhe um cargo honorífico na sua lista. Apesar disso nunca confiou nela, nem percebe muito bem o que lhe vai na cabeça. Desta forma, não podia deixar a sua capacidade de influência nem o futuro da Formifarma entregue a tal instabilidade, tinha que arranjar uma lista de continuidade assegurada. O sistema no seu melhor.

E foi assim que ficaram definidos os slogans das candidaturas. A Dr. Filomena seria de continuidade e a Prof. Irene por oposição seria de mudança. Sociologicamente o termo “mudança” é sempre mais apelativo, principalmente quando o contexto actual é difícil, e nesta medida rende sempre mais votos. Vantagem para a Prof. Irene, apesar do seu fotógrafo... A sociedade portuguesa sempre preferiu mudar, e sempre escolheu mudar mesmo sem saber para o que iria mudar… Defender a continuidade com uma figura de segunda linha é tarefa ainda mais difícil, e a evolução da continuidade não resultou com Marcelo Caetano precisamente porque “continuou” a defender a opcção colonial. As colónias sempre foram a salvaguarda da nossa independência, tendo servido muitas vezes de moeda de troca, em 1640, no ultimato e mesmo durante o Estado Novo, mas foram também a perdição do nosso país.

- A Luta pelo Poder -
Claro que quem tem poder dificilmente abdica dele. Ainda por cima quando precisa dele para viver, ou para viver bem, ou mesmo para viver melhor. E há ainda o caso dos que não sabem fazer mais nada da vida. Veja-se o caso do nosso primeiro, que se não fosse político já nem tinha habilitações para fazer mais nada… Mas o que chamamos poder é sempre relativo tendo em conta o termo de comparação. Nestas eleições estamos a falar da luta por um pequenino poder, porque o verdadeiro poder farmacêutico tem sede em Sta Catarina. E ainda bem que por lá não há limitações estatutárias aos mandatos, porque senão já não teríamos a farmácia comunitária que hoje temos, o sector estaria seguramente bem pior e … já por lá se tinham todos comido vivos, “a ver navios”. Vai ser bonito e triste ver um dia esse circo.

- Temas de Campanha -
A renovação da carteira profissional foi dos primeiros temas quentes da campanha. E no fundo todos os farmacêuticos compreendem o que se está a discutir. De um lado a Prof. Irene levantou a questão mas não sabe, nem nunca soube enquanto ocupou cargos na Ordem, o que propor. Do outro lado a lista A (A de Aranda?!?) pretende manter os negócios instituídos … Rumos, ANF, Católica, ISEG, Lusófona e afins…
A Prof. Irene pretende inaugurar a nova sede para ter mais uma placa com o seu nome. A Dra. Filomena pretende inaugurar a nova sede porque o sistema que a lançou decidiu que deveria ser ela.

- ANF -
Incontornável na realidade farmacêutica portuguesa, tem sabido manter-se… publicamente… alheada destas eleições. E ainda bem, porque se agora já existem mensagens de telemóvel, se a ANF apoiasse alguém, cada vez que se terminava uma venda no Sifarma aparecia uma janela a dizer VOTA qualquer coisa…
No entanto a ANF mantém sempre o seu poder de veto. Se fosse um país seria um dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Para o bem e para o mal é verdadeiramente a única instituição do sector farmacêutico em Portugal que verdadeiramente conta... Vamos lá ver até quando... Do futuro bastonário espera-se que saiba evitar confrontações desnecessárias no seio da classe mas que publicamente tente parecer independente da ANF... já que na prática nunca o conseguirá.

- Regionais -
No Porto parece que anda tudo meio desavindo. A continuidade apesar de tudo parece representar alguma estabilidade. Mesmo que essa estabilidade seja um pouco amorfa e sem alma.
Em Coimbra o confronto é constrangedor. O Prof. Batel não deve perdoar à Prof. Irene ter-lhe arranjado adversários tão medíocres. Ninguém merece ganhar um campeonato contra as Ilhas Faroé ou contra o Lichtenstein, sabe a pouco e ofusca o mérito. Não se faz a ninguém, foi muito feio da parte da Prof. Irene.
Em Lisboa o Dr. Marques da Costa jogou pelo seguro e não fez o upgrade para Bastonário. Esse tacticismo poderia ter causado problemas.

Pelo caminho destas eleições tem havido ainda plágios, jantares de gala com a classe mas sem classe, alguns insultos, descoordenação, guerras silenciosas, e mensagens de telemóvel!!!!!!!!!!! Realmente não há limites para a mente humana.
Enfim nada de surpreender num país pouco maior do que um aeroporto… e que mesmo assim não sabe para onde mandar os aviões…

A história não se repete… mas a Prof. Irene faz-me lembrar o Cardeal Cerejeira … e a Dra. Filomena o Almirante Américo Thomás … No more coments…

LOLOLOLOLOL

PS - “Esta choldra é (mesmo) ingovernável”, como dizia D. Carlos e tem sido o que se vê...

Vladimiro Jorge Silva disse...

Caro Praia Lusitana: leia a entrevista de Aranda da Silva ao DN. Identifica alguma continuidade com o que tem sido a actividade da OF nos últimos anos?
A postura dos Bastonários da OF depende do contexto social e político. E é dessa forma que devemos analisar o desempenho de Aranda da Silva. As coisas entretanto mudaram. E Aranda assumiu a postura que se impunha. As suas palavras são o mote para o exercício do próximo Bastonário.
Em relação à renovação da Carteira Profissional: a lista A já em diversas ocasiões referiu a necessidade de acabar com as negociatas existentes. A lista B, qual Mário Lino, substitui a revalidação pelo deserto. É isto que queremos?

praialusitana disse...

Caro Vladimiro

Antes de mais os meus parabéns pela criação deste blog e pela forma como o tem conduzido, deveria ter referido este aspecto no meu primeiro comentário, apesar de pessoalmente não concordar com a moderação de comentários em blogs, especialmente em blogs deste género.

Relativamente à postura de um bastonário tem toda a razão que depende do contexto social e político, mas depende muito mais dos valores intrínsecos de cada um. Desta forma, a entrevista do Dr. Aranda, que é inteligente e sabe enviar recados, parece-me no mínimo irónica, particularmente no final quando fala em proximidade do poder económico com o poder político… Seria interessante que de uma vez por todas se assumisse a remuneração do cargo de bastonário… e uma boa remuneração, para evitar negócios, empresas de formação, aulas e formações acreditadas pela OF em todo o lado, consultadoria à indústria farmacêutica, etc etc etc E acima de tudo que não se atire pedras quando se tem telhados de vidro…
Acho bem que pretendam acabar com as negociatas, mas não se esqueça, caro Vladimiro, que os apoios eleitorais também são muitas vezes negociados, e podem tirar margem de manobra…
O Dr. Aranda da Silva parece querer imitar o Dr. Soares em termos de entrevistas surreais, só lhe faltou desculpabilizar Hugo Chavez e dizer que emprestou dinheiro à OF… Por favor, para seu bem guie-se mais pela entrevista ao diário As Beiras do que pela entrevista ao DN!

Pessoalmente considero que a venda dos MNSRM fora das farmácias foi ainda mais grave do que a liberalização para a profissão. Nas futuras farmácias de cadeias ou outros proprietários continuará a haver directores técnicos farmacêuticos e esse é um dos desafios para a OF. No locais de venda de MNSRM pela primeira vez deixou de haver uma responsabilização farmacêutica na dispensa de medicamentos e ainda se assumiu de um ponto de vista legal que o trabalho de técnicos e de farmacêuticos é igual…

Por último folgo em saber que apenas estes pontos do meu primeiro post mereceram o seu comentário … mas também compreendo que não possa comentar tudo aquilo que quer publicamente... LOLOLOLOL